quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O FISCAL DE OLORUM


Não se entende a amplitude da religião de Ifá sem uma compreensão do papel que nela representa o Imole Exu. Reconhecer a importância deste orixá é um passo fundamental para uma visão correta sobre o sistema religioso iorubá.

Diz Ifá que Olorum criou Exu a partir da Érupé (lama) e deu a ele o atributo de ser o grande Âgbá (ancestral). Sua função é a de dotar os seres de capacidade de movimento. Exu é a energia que está presente em tudo que existe. Dinamização, transformação e mobilidade são possibilidades inauguradas por esse orixá. A ausência de Exu é, portanto, a negação da vida.

Os iorubás acreditam que o homem tem a possibilidade de conhecer e alterar o seu destino. O conhecimento é revelado pelo oráculo de Ifá, sistema adivinhatório regido pelo orixá Orunmilá, que por determinação de Olodumare é o Eleripin (testemunha do destino) de todos os homens. A partir do conhecimento do destino, a alteração das coisas maléficas pode ser conseguida com a realização de ebós, oferendas e sacrifícios determinados por Orunmilá. A realização do ebó evoca energias dotadas de axé (força) suficiente para transformar o ona buruku (mau caminho) em ona rere (bom caminho).

Neste sistema, Exu é um personagem fundamental. Uma de suas atribuições é a de ser o fiscal de Olorum. É ele, portanto, que fiscaliza o babalaô, sacerdote que consulta o oráculo, para que este não minta ao consulente.

Exu é também o Elebó, senhor das oferendas. É sua função verificar se as oferendas estão sendo feitas conforme a determinação de Ifá e cabe a ele levá-las ao Orum para que sejam aceitas. Caso o ebó seja bem sucedido, Exu cumpre a determinação de trocar os maus caminhos pelos positivos. Se as oferendas não forem feitas conforme o estabelecido, Exu é aquele que, na qualidade de fiscal de Olorum, pune os responsáveis.

É Exu, portanto, que dinamiza um dos pilares fundamentais da religião dos orixás, a consulta oracular como caminho de transformação do destino de cada um. Sendo assim, fica claro que, para o iorubá, destino é sinônimo de possibilidades que se realizam ou não. O porvir, ao ser previamente conhecido, pode ser alterado.

Vale mencionar, e esse é um aspecto fundamental, que o ebó não se destina simplesmente a resolver problemas. Há percalços que são inevitáveis, e estão no odu que rege o nascimento de cada um. A função do ebó é , então , dotar a pessoa de axé para que os problemas possam ser enfrentados com maiores possibilidades de sucesso. O portador do axé é Exu.

É neste sentido que Exu costuma ser representado fumando cachimbo e tocando flauta. Ele fuma o cachimbo como quem absorve e ingere as oferendas, e toca a flauta como quem restitui o axé, a energia vital.

Outra representação famosa de Elegbara é a do falo ereto. O pau duro de Exu, que tanto chocou os pudicos missionários cristãos que foram à África no século XIX, nada mais é que o exemplo maior de dinamismo, movimento e vitalidade, atributos do senhor da transformação.

Foi provavelmente esta última imagem, um Exu teso e viril, que levou os europeus a vinculá-lo ao demônio judaico-cristão. Obcecados pelas noções de culpa e pecado, produziram em seus estudos uma visão que, pelo desejo de dominação, pelo medo, pela desonestidade e, sempre, pela ignorância, distorceu e comprometeu a compreensão do papel primordial desempenhado por Exu no sistema religioso iorubá. Recuperá-lo em sua dimensão legítima é, portanto, função de todos os que professam a religião que Orunmilá ensinou aos homens.


Iboru boya !